Estávamos,
certa manhã, conversando com Yvonne, quando chegou uma senhora, vinda de Porto
Alegre, para conhecê-la. Quisemos deixá-las a sós depois das apresentações,
porque a visitante confessou que tinha vindo ao Rio com o objetivo de estar com
a médium para lhe narrar “alguns” fatos. Yvonne, porém, nos deteve, e perguntou
à senhora que estava acomodada ao seu lado se poderíamos permanecer junto
delas, no que ela assentiu. Como insistíssemos em nos retirar, nossa amiga não
permitiu, olhando-nos de maneira significativa.
- Estamos
entre confrades, nada tenho a esconder, dona Yvonne, o professor fique conosco,
por favor – disse a simpática senhora – gostaria que ouvisse, também ele, o
testemunho que darei em seguida.
Agradecemos
sua gentileza e nos quedamos para ouvi-la.
- A senhora
talvez não saiba o quanto o livro Memórias
de uma Suicida tem marcado seus leitores! Quanto a mim, só posso dizer que,
à medida que o lia, parecia-me que estava a recordar compromissos, inicialmente
vagos, porém, posteriormente, bem delineados em minha mente, até chegarem à
consciência com nitidez. Eles se relacionavam com o sofrimento dos réprobos, no
Vale dos Suicidas, pelas impressionantes narrativas do autor, que tanto me
afetaram, fazendo com que eu pedisse a Jesus, em minhas preces, para receber
como filho, ao menos um daqueles espíritos, ávidos de restabelecer seus corpos
espirituais avariados pelo suicídio. Estes pedidos foram se transformando como
que numa ideia fixa. Neste ponto a médium interrompeu-a:
- Admira-me
sua coragem e determinação, minha irmã, que o Divino Mestre a abençoe! Continue,
por favor.
A senhora,
agora mais motivada, prosseguiu:
- Contudo,
vários entraves teriam que ser vencidos, pois sabia que a criança teria
problemas: poderia nascer aleijada, cega, surda-muda, enfim, traria alguma
deficiência, de maior ou menor grau. Mas eu me sentia preparada para recebê-la,
como viesse.
Observando nossa
indisfarçável admiração, tomou fôlego e deu continuidade ao depoimento:
- Outro
grande obstáculo era o meu marido. Ele não aceitaria um filho nessas condições,
pois teria que fazer muitas concessões, e eu, conhecendo-o melhor do que ele a
mim mesma, sabia que não estaria disposto a fazê-las. Nossa família já estava
constituída, e ele, não querendo mais do que os quatro filhos que criamos,
certamente me culparia por deixar de lhe dar maior atenção, agora que estavam
quase todos encaminhados na vida - e eu
agradeço muito a Deus por essa bênção. Mas a senhora sabe como são certos
maridos...
- É verdade,
minha amiga. No entanto, desculpe-me lhe perguntar: sua idade permitiria uma
gravidez normal, depois de um intervalo de tantos anos sem outros filhos?
- Eu me
sentia tão saudável e motivada que tive dificuldades em consultar minha médica
e expor-lhe o desejo de um temporão. Ela não viu problemas sérios para uma nova
gravidez. Afinal, todas as anteriores tinham sido absolutamente normais.
Acomodou-se
melhor na poltrona e prosseguiu a narrativa:
- Descendo de
uma família conhecida pela perseverança em seus objetivos e metas; sejam seus
membros homens ou mulheres. Somos aqueles gaúchos de cerne duro, como o do
cambará, acostumados às rudezas do meio hostil em que nos formamos, e, às
vezes... turrões. Resolvi então, enfrentar todos os obstáculos que existiam e
os que pudessem vir – eu me reconheço como um desses membros.
Rimo-nos de
suas observações, de certa forma feitas para justificar suas decisões.
- Todas as
noites orava fervorosamente, dirigindo minhas preces a Maria de Nazareth, para
que me enviasse um daqueles réprobos. Depois de algum tempo, pareceu-me que o
pedido fora levado até ela, que havia sido ponderado e aprovado. A partir de
então, comecei a sentir uma paz indefinível; surpreendia-me cercada de proteção
e cuidados que só eu mesma notava, até constatar que estava grávida. Procurei,
o quanto pude, esconder meu estado a meu marido, e estava já, praticamente
preparada para lhe dar a notícia e sofrer todas as consequências que ela
traria, quando algo inesperado aconteceu: um enfarte agudo o tirou de mim. O
golpe foi terrível. Meu sofrimento, que parecia não ter fim, só começou a
atenuar-se depois de algum tempo, quando me dispus a analisar o encadeamento
dos fatos. Então, novas forças começaram a me envolver, e para me conformar,
lembrava que trazia no ventre um filho dele, embora – então começava a ter
minhas dúvidas – talvez ele acabasse por aceitá-lo. Meses depois, a criança
nascia para o júbilo da família, no entanto, logo após a alegria inicial,
seguiu-se a decepção: era um menino excepcional, marcado pela síndrome de Down.
Quando recebi a notícia aquilatei o quanto essa criança iria precisar de mim.
Só eu não tivera a surpresa que os magoava, pois meu pedido fora atendido.
A valorosa
senhora concluiu o seu testemunho:
- Os
espíritos, antevendo o iminente desencarne de meu marido, presentearam-me com
esta missão, para dedicar meu tempo útil na viuvez.
Yvonne estava
comovida. Duas silenciosas lágrimas rolavam-lhe nas faces. Nós também ficáramos
emocionados.
Passados
alguns momentos, a médium pediu-nos que fôssemos chamar Amália “para conhecer
aquela abnegada senhora que, com certeza, tinha ligação com a Legião dos Servos
de Maria, constituída por benfeitores que um dia haviam socorrido a própria
Yvonne”. Ela se referia ao Hospital Maria de Nazaré, localizado dentro da colônia
espiritual dedicada aos suicidas.
Com a vinda
de dona Amália e a surpresa desta, ao saber do caso que nos fora narrado, as
conversas se prologaram. Foi mostrada uma foto da criança que já beirava os
cinco anos, com as características próprias daquela deficiência, caso único
conhecido nas famílias dos genitores, prova irrecusável para a mãe que
encomendara aquele filho ao Alto.
Texto
extraído do livro Yvonne – A Médium Iluminada, de Gerson Sestini, Edições Léon
Denis.
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