O texto a
seguir é extraído do livro Tormentos da Obsessão, psicografado pelo médium
Divaldo Franco, capítulo: "Contato Precioso", no qual o espírito e
autor da obra Manoel Philomeno de Miranda encontra a figura de Almério, que
fora espírita e médium suicida em sua derradeira encarnação. Este, apesar de seu esforço no campo da religiosidade e da reforma íntima, era detentor de graves
conflitos internos na área da sexualidade, bem como vítima de tão ferrenha quão
dramática obsessão espiritual. O encontro se dá no Hospital Esperança, que é
uma instituição fundada pelo célebre espírito de Eurípedes Barsanulfo, também
conhecido como: "O Apóstolo da Caridade", e que se encontra sediada no plano
espiritual. Com características de um sanatório, o referido hospital visa
acolher, tratar e educar almas que, no dizer do autor espiritual, foram:
"vítimas da própria incúria, tornando-se um laboratório vivo e pulsante
para a análise profunda das alienações espirituais". Esse é o caso de
Almério, mais um personagem do palco da vida a retratar quão grande é o poder
de nossas escolhas, as quais podem nos presentear um dia com as asas
libertadoras de um anjo ou, desde já, prender-nos nos grilhões da dor e do
arrependimento. Aproveitemos as valiosas lições que esta leitura nos traz:
CONTATO PRECIOSO
No dia
seguinte, ainda vibrando de emoção pelas lições recebidas na véspera, dirigi-me
ao Sanatório Esperança, estuante de alegria, por considerar excepcional a
oportunidade de aprendizagem naquele reduto de bênçãos que o amor havia erguido
para auxiliar os combalidos e fracassados nas lutas espirituais da Terra.
Conhecia,
através de referências, desde há muito, aquele Nosocômio, de que ouvia falar em
conversações habituais com diversos amigos. Todavia, por reconhecer a precariedade
dos meus conhecimentos em torno das doutrinas psíquicas e das conquistas
realizadas por especialistas dessa área, nunca me atrevera a solicitar
oportunidade para conhecer mais de perto as enobrecedoras realizações que ali
tinham lugar.
Embora soubesse
superficialmente da finalidade a que se destinava, ignorava os métodos e as
terapêuticas utilizadas no tratamento dos pacientes espirituais. Eram,
portanto, compreensíveis, a euforia e expectativa que me assaltavam.
O dia estava
esplêndido, banhado de suave luz e agradável temperatura, quando, vencendo
alguma distância e atravessando os jardins bem cuidados, enriquecidos de flores
e arbustos formosos, dei entrada no agradável hall, dirigindo-me à recepção.
Solicitando o
encontro com Dr. Ignácio, fui informado que ele me esperava no seu gabinete,
que me foi gentilmente indicado. Um voluntário, que ali se encontrava,
ofereceu-se para conduzir-me à sala, elucidando-me que estava em estágio, na
fase do atendimento, a fim de preparar-se para iniciar estudos especiais sobre
a problemática do comportamento humano, quando se encontrasse habilitado.
Muito
simpático, logo informou-me que houvera desencarnado, fazia vinte anos, havendo
sido atendido naquele Nosocômio, onde despertara em lamentável estado de perturbação
espiritual, de que se foi libertando, graças ao amparo e empenho dos médicos e
enfermeiros que o atenderam, até que pôde ensaiar os primeiros passos pelo
ambiente, dando-se conta da realidade da vida e procurando adaptar-se ao novo habitat, embora as saudades
dilaceradoras que conservava em relação à família e aos seres amigos, bem como
às tarefas interrompidas que ficaram no domicílio carnal.
Escutava-o,
atento, como se estivesse recordando-me dos primeiros tempos, quando chegara
àquela Comunidade, recambiado pela morte à Pátria de origem.
Gentil e
jovial, elucidou-me que houvera sido vítima de si mesmo, porquanto, portador de
mediunidade psicofônica, tivera ensejo de travar contato com a Doutrina
codificada por Allan Kardec, porém, por negligência e perturbação, nunca se
interessara em aprofundar estudos e educar o comportamento que, embora não
fosse vulgar, igualmente não se fazia portador de títulos de enobrecimento.
Consorciando-se
com uma jovem que acreditava ser-lhe alma
gêmea, sentiu-se amparado emocionalmente, de maneira a manter o equilíbrio
sexual, que lhe constituía motivo de desarmonia antes do matrimônio,
dificultando-lhe preservar-se fiel ao compromisso mediúnico, que abraçava desde
os dezessete anos, quando recém-saído de um tormento obsessivo simples...
Nesse
ínterim, chegamos à ante-sala do diretor daquela área, específica para os
obsidiados desencarnados, fazendo-nos anunciar, e aguardando o convite para
sermos recebidos. Como o infatigável dirigente se encontrasse em reunião,
acomodamo-nos, e o novo amigo prosseguiu:
- Após haver
passado por diferentes terapias de adaptação, estou agora sendo utilizado na
recepção para acompanhamento de visitantes, preparando-me para futuros
cometimentos.
Sinceramente
sensibilizado pela sua gentileza, apresentei-me com breves considerações, e
continuamos a agradável conversação.
- Chamo-me
Almério - informou-me com um sorriso afável - e fui uma vítima a mais da
própria leviandade, no trato com os tesouros da vida espiritual, razão porque
fui recolhido a este Hospital.
"Recordo-me
que, desde criança, vez por outra, era acometido de clarividências, detectando
seres infantis, que se me acercavam em festa, convivendo com os mesmos por
alguns minutos. Outras vezes, defrontava monstros
pavorosos que me ameaçavam, levando-me ao desespero e a desmaios, dos quais
acordava banhado por álgido suor. O carinho vigilante de minha mãe sempre me
socorria, defendendo-me desses fantasmas
terrificantes. Por algum breve período tive a impressão de que amainara a
ocorrência, para, a partir dos catorze anos, distúrbios nervosos tomarem-me com
certa periodicidade, fazendo-me tremer e quase convulsionar. Fui levado ao
médico que, após exames superficiais, atribuiu tratar-se de epilepsia,
havendo-me receitado medicamentos que mais me atordoavam, e que, de alguma
forma, diminuíam aquele desagradável tormento. Tomando conhecimento do que
sucedia comigo, uma vizinha nossa sugeriu aos meus pais que me encaminhassem a
um Centro Espírita, por acreditar que se tratava de um distúrbio no campo
mediúnico, portanto, de uma obsessão que estivesse em processo de instalação.
Embora meus genitores estivessem vinculados à religião católica, não
titubearam, conduzindo-me ao Núcleo que fora indicado, por ser aquele da frequência
da generosa amiga."
Almério fez
uma pausa, como se estivesse recapitulando páginas importantes do livro da sua
existência mais recente, após o que, tranquilamente continuou:
- A primeira visita foi inesquecível, porque,
atendido carinhosamente pela diretora da Casa, enquanto conversávamos fui
acometido da crise, facilitando-lhe o diagnóstico espiritual. Conhecedora dos
tormentos da obsessão, D. Clarice usou de palavras bondosas para com o
perturbador, enquanto me aplicava a bio-energia através de passes vigorosos em
clima de oração. De imediato, retornei ao estado de paz, de modo que a
entrevista foi encerrada, após ser-me oferecida a terapia para o equilíbrio da
saúde, que consistia em fazer parte de um grupo juvenil de estudos espíritas, a
fim de que me pudesse iniciar no conhecimento da Doutrina, após o que, e
somente então, me seria permitido participar das atividades mediúnicas.
"Na
minha condição juvenil, felizmente, não tivera tempo para derrapar nas
viciações que estão ao alcance da mocidade. Não obstante, cometera os equívocos
pertinentes à condição de jovem, por fazerem parte do cardápio comportamental
destes tumultuados dias da Humanidade.
"A
mediunidade, em razão da frequência à Instituição Espírita, talvez, pelo clima
psíquico ali existente, irrompeu com melhor definição, assegurando-me tratar-se
de um compromisso sério, que deveria abraçar, mas, para o qual seria necessário
abandonar a mesa farta dos prazeres, que se encontrava diante de mim,
convidativa, e que eu não estava disposto a fazê-lo. Preparava-me para o
vestibular, numa tentativa de conseguir uma vaga na Faculdade de Farmácia,
quando fui acometido de uma crise mais forte, que me deixou prostrado, acamado,
exigindo a presença da devotada diretora da Casa Espírita, que me socorreu com
fluidoterapia e palavras de muito encorajamento, recomendando-me a leitura
saudável de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, de Allan Kardec, para robustecer-me moralmente, ajudando-me a
superar a agressão espiritual.
"A
Entidade, que insistia em me afligir, estava-me vinculada por fortes laços do
passado próximo, quando fora molestada pela minha irresponsabilidade e não se
encontrava interessada em liberar-me com facilidade da sua sujeição. Tornava-se
indispensável que, mediante a minha reforma íntima demonstrasse-lhe a mudança
que se operara dentro de mim, e do esforço empreendido para reparar os males
que lhe houvera feito. Esse programa de iluminação interior iria exigir-me um
grande tributo, porque anelava por viver como as demais pessoas, amealhar um bom
pecúlio para, mais tarde, construir família e desfrutar dos favores da vida. O
meu passado espiritual, porém, era muito severo, e fui constrangido a
trabalhar-me para algumas adaptações à circunstância que então se apresentava...
"Eis,
pois, como me iniciei no Espiritismo, através das bênçãos do sofrimento, que
não soube aproveitar o quanto deveria."
O novo amigo
silenciou discretamente. Passados alguns segundos de reflexão, parecendo
aturdido, referiu-se:
- Rogo-lhe
desculpas por haver-me disparado neste relato autobiográfico, sem dar-lhe
oportunidade de uma conversação mais simpática, egoisticamente pensando no meu
próprio caso. Como vê, estou aprendendo a disciplinar-me, sem conseguir
silenciar os anseios do ego doentio, cumulando-o de comentários desinteressantes...
Interrompi-o,
com delicadeza, explicando-lhe que sua narração me proporcionava imensa
alegria, ademais da sua amizade, simples e desinteressada, que me havia
recebido com amabilidade e confiança.
-
Constitui-me – disse-lhe, sinceramente – um imenso prazer, iniciar os meus
estudos neste Nosocômio, aprendendo, desde o primeiro momento em que aqui me
apresento, lições de inapreciado valor. Sou-lhe, portanto, muito reconhecido, e
agradeceria que, enquanto esperamos o nosso dirigente, que continue com a sua
agradável e proveitosa narração.
Estimulado, e
desculpando-se, Almério deu continuidade:
- Graças ao
apoio de pessoas abnegadas na Casa Espírita, dos meus pais e do meu Guia
espiritual, consegui adentrar-me na Faculdade e iniciar o curso que desejava.
Concomitantemente, continuei participando das atividades da Juventude, porém,
quase indiferente pelo estudo da Doutrina e a sua incorporação interior da
conduta diária. O ambiente tumultuado da Faculdade, as minhas predisposições
para comprometimentos na área sexual, facultaram-me compromissos perturbadores e
vinculações com Entidades enfermas que enxameiam os antros de prostituição, nos
motéis da moda, frequentados por semelhantes encarnados que ali dão vazão aos
seus instintos primários e tendências pervertidas.
"Já
participava das atividades mediúnicas, ao lado de pessoas enobrecidas e
caridosas, sem que os seus exemplos repercutissem nos meus sentimentos
exaltados pelo sexo em desvario e por falsa necessidade que lhe atribuía.
Tornei-me, desse modo, portador de psicofonia atormentada, que o carinho dos
dirigentes encarnados e espirituais tentaram a todo esforço equilibrar, mas as
minhas inclinações infelizes dificultavam esse saudável empreendimento.
Acredito que a generosa D. Clarice percebia o meu conflito, porém, honrada e
discreta, esperava que o meu discernimento e as orientações espirituais que me
chegavam em abundância me despertassem para a realidade, que não podia ser
postergada.
"Foi
nesse ínterim que, orando fervorosamente, supliquei auxílio aos Céus,
prometendo-me alteração de conduta e vinculação mais segura com o compromisso
aceito espontaneamente... E a minha oração foi ouvida, porquanto, nessa mesma
semana, conheci Annette, que seria mais tarde a carinhosa esposa que me
auxiliaria na educação das forças genésicas.
"O amigo
deve saber quanto é importante a disciplina sexual na vivência mediúnica. Como
as energias procriativas e vitais não devem ser desperdiçadas, mas canalizadas
com propriedade e sabedoria. O seu uso indevido, além de produzir conexões
viciosas com os Espíritos enfermos e vampirizadores, debilita os centros de
captação psíquica, dificultando o correto exercício da faculdade. O casamento,
portanto, constituiu-me verdadeira dádiva de Deus, que me impeliu a uma conduta
melhor em intercâmbio enobrecido.
"As
lutas prosseguiram com certa harmonia, até quando me diplomei e consorciei-me
com a mulher amada. O nosso relacionamento foi muito equilibrado e, conhecedora
dos meus compromissos, Annette não teve qualquer dificuldade em acompanhar-me
aos estudos espíritas e participar das reuniões doutrinárias, a princípio, e
depois, das sessões práticas e de socorro espiritual aos desencarnados."
Almério
empalideceu subitamente, e percebi-lhe uma leve sudorese na testa.
Preocupado,
interroguei-lhe se estava sentindo-se mal, ao que respondeu:
- Encontro-me
bem, muito obrigado! É que me acerco dos momentos graves da narrativa, e
sinto-me constrangido. Afinal, o amigo não me conhece, e eu o bombardeio com
uma narrativa tão pessoal e íntima, que certamente o surpreende e o desagrada.
Com certeza, é descortesia de minha parte o que lhe estou fazendo, quando
deveria estar apresentando-lhe alguns dos admiráveis programas de nosso
Hospital-santuário.
Toquei-lhe o
ombro afavelmente, animando-o a continuar, não porque estivesse picado pela
curiosidade doentia, mas porque senti que lhe fazia bem a catarse, tanto quanto
me era útil para o aprendizado que iria iniciar.
Narrei-lhe
algumas das próprias experiências, de quando me encontrara no corpo físico,
assim como dos estudos que relatei em algumas Obras psicografadas que havia
enviado aos queridos viajantes terrestres, a fim de o tranquilizar,
asseverando-lhe mesmo, que houvera sido a Providência que o destacara para
acompanhar-me, ajudando-me a entender os sublimes mecanismos da evolução, das
lutas de aprimoramento moral e das conquistas espirituais de todos nós. Por
fim, expliquei-lhe que a demora em ser atendido pelo nosso abnegado Dr.
Ferreira parecia proposital, ensejando-nos aprofundamento da amizade
recém-iniciada.
O novo amigo
sorriu, um pouco desconcertado, e anuiu, dando curso à sua muito oportuna
exposição.
- Não
obstante todo o empenho a que me entregava – esclareceu, com sinceridade – para
a renovação interior e o desempenho das tarefas em andamento, um ano após o
casamento passei a experimentar inexplicável impotência sexual, gerando-me
graves conflitos e dificuldades em torno do relacionamento conjugal.
Sentindo-me fracassado e sem esperanças, procurei ajuda médica, após uma grande
relutância, fruto da ignorância e da conceituação machista, e o especialista
nada detectou na minha constituição orgânica, que justificasse o problema,
encaminhando-me a um sexólogo que, inadvertidamente, me recomendou extravagante
terapia, perturbando-me além do que já me encontrava transtornado. Nesse
período, o exercício mediúnico tornou-se-me penoso e angustiante, por
dificuldades de concentração e de equilíbrio emocional.
"Foi
quando resolvi pedir socorro ao Mentor de nossa Sociedade que, solícito,
através da mediunidade sonambúlica de Eduardo, por quem se comunicava desde há
muito tempo, aconselhou-me a reconquistar o equilíbrio mediante a confiança em
Deus, explicando-me tratar-se de uma disfunção psicológica, em cuja raiz estava
a influência perversa da minha adversária espiritual...
"Equipado
com o esclarecimento oportuno, procurei reanimar-me, elucidando a esposa em
torno da terapia em desdobramento, e pedindo-lhe a compreensão, que nunca me
foi negada, já que sempre se conduziu como digno exemplo de companheira ideal e
madura, embora contasse apenas vinte e quanto anos de idade. A tentativa de renovação
interior, porém, não havendo proporcionado resultados imediatos, diminuiu de
intensidade, enquanto a volúpia do desejo incontrolado, me inquietava em angústia
crescente.
"Nesse
período, em que a mente se encontrava agitada, passei a vivenciar sonhos
eróticos, nos quais a lascívia me dominava, particularmente com uma mulher que
se me apresentava, ora linda e maravilhosa, noutros momentos, desfigurada e
perversa. Muitas vezes arrastava-me a antros de perversão, onde me sentia
exaurir, despertando, socorrido pela esposa que percebia minha agitação e
lamentos, e sentindo-me tão depauperado quão perdido em mim mesmo. Não
experimentava a necessária coragem para narrar-lhe o pandemônio em que me
debatia, evitando que identificasse os meus tormentos mentais... O drama
prolongou-se por mais de seis meses, quando algo inusitado ocorreu."
O amigo
silenciou brevemente, concatenando as ideias, após o que prosseguiu:
- Participando
das reuniões mediúnicas de socorro aos desencarnados, fui instrumento de
terrível comunicação, que acredito era necessária para o esclarecimento da
minha provação, certamente providenciada pelos Benfeitores espirituais.
Tratava-se de Entidade feminina que se dizia minha vítima, de quem abusara,
explorando-a sexualmente até arruiná-la. Pior do que isso, informava que eu era
casado naquela ocasião, mas vivia clandestinamente com jovens seduzidas em
orgias e alucinações. Não fora ela a primeira... No entanto, havia sofrido
muito sob os impositivos das minhas perversões. Duas vezes, sucessivamente,
concebera, e, sentindo-se feliz pelo fato, esperava receber apoio, que lhe
neguei, sem qualquer compaixão, levando-a ao abortamento insensato. Na primeira
ocasião do crime, ela pôde ceder sem maior relutância, por manter a ilusão de
que eu possuísse algum sentimento de afetividade e prazer em conviver ao seu
lado, mesmo que fugazmente. Todavia, na segunda concepção, recusando-se ceder à
minha insistência, foi levada, quase à força, quando já se encontrava no quinto
mês de gravidez, para o hediondo infanticídio, que se transformou numa tragédia
de alto porte. A inabilidade do médico, na clínica sórdida onde recebia as
clientes infelizes, ao extrair o feto, provocou uma hemorragia, não conseguindo
deter o fluxo sanguíneo, e, embora transferida de emergência para o Pronto
Socorro da cidade, menos de duas horas depois seguia pela morte o destino da
filhinha covardemente assassinada... No entanto, perdeu-se num dédalo de
aflições sem nome. Só mais tarde, quando eu me encontrava na passada
reencarnação, no período infantil, é que conseguiu, com a ajuda de alguns
especialistas em obsessão, reencontrar-me, o que lhe houvera proporcionado
infinito prazer. Desde então, continuou explicando, me seguia, e pretendia levar
a cabo o plano de interromper-me a existência carnal, auxiliada como se
encontrava por outros Espíritos a quem eu prejudicara, e que estavam igualmente
dispostos a conseguir o mesmo fanal.
"A
lúcida doutrinadora tudo fez para explicar-lhe o erro em que se movimentava,
não havendo conseguido resultados expressivos. Envolvendo-a, por fim, após
diversas tentativas de esclarecimentos, em ternura e vibrações de paz, a
atormentada inimiga retirou-se do campo mediúnico em que se comunicava. Mas não
se desvinculou de mim, porquanto, onde se encontra o devedor, aí estagia o
cobrador... Terminada a reunião, fui elucidado quanto aos meus deveres
imediatos em favor da libertação, beneficiando o Espírito infeliz, quanto a mim
próprio. No entanto, os vícios do pretérito tornaram-se-me grilhões
indestrutíveis, que eu não conseguia romper. Mantendo a mente aturdida pelos
desejos que o corpo não atendia, lentamente derrapei em perigosa depressão, que
se tornou grave, graças às reações que me acometiam, maltratando a família, os
amigos, e deixando-me sucumbir cada dia mais, ao ponto de recusar-me prosseguir
nas atividades espirituais e profissionais, mergulhando no fosso profundo e
escuro da subjugação, que poderia ter sido evitada, caso me houvesse resolvido
pela luta."
Novamente
interrompeu a história. Respirou, quase penosamente, e vendo-o sofrido,
propus-lhe que deixasse para próximo encontro a conclusão do seu drama, ao que
ele redarguiu:
- Apesar da
angústia que me produz a lembrança, desta vez, face a espontaneidade com que
brotam da alma as evocações, experimento um certo bem-estar, como se me
conscientizasse em definitivo dos graves erros, sem escamoteamento das próprias
responsabilidades, nem fugas injustificáveis do enfrentamento, que são passos
decisivos para o recomeço em clima de renovação legítima.
Sorriu,
ligeiramente, e ante a minha anuência com um movimento simples da cabeça,
concluiu:
- Naquele
transe, sob a indução cruel, que me houvera conduzido ao transtorno
psicótico-maníaco-depressivo, em uma noite de alucinação, porquanto podia ver a
mulher-verdugo de minha existência e os seus asseclas, foi induzido a ingerir
algumas drágeas de sonífero, quase automaticamente, sem qualquer reflexão, a
fim de apagar da mente aqueles terríveis pesadelos
e libertar-me dos vergonhosos doestos que me atiravam à face, humilhando-me,
escarnecendo-me, e sempre mais me ameaçando. À medida que as substâncias
passaram a atuar no meu organismo, um cruel torpor e enregelamento tomou-me
todo, produzindo-me a parada cardíaca, e a desencarnação...
"Muito
difícil explicar os sofrimentos que então passei a experimentar. No princípio,
era o pesadelo de morrer-e-não-estar-morto, a vida sem vida, as sensações da
matéria em decomposição e a crua perseguição que não cessava. Não saberia dizer
por quanto tempo estive sob as torpes e excruciantes vinganças daqueles irmãos
mais desditosos. As preces da esposa sofrida, dos meus genitores e dos amigos
da Instituição religiosa, passaram, então, a alcançar-me como orvalho
refrescante no tórrido padecimento que não diminuía. Um dia, que ainda não
posso identificar, senti-me sair do antro para onde fora levado pelas mãos
perversas que me induziram ao suicídio, embora sem a minha concordância, o que
representava um atenuante para a desdita, passando a dormir sem a presença dos
sicários, e a despertar, para logo adormecer, até que a memória e o
discernimento ressurgiram, auxiliando-me no processo de recuperação. Graças a
Deus e aos Bons Espíritos, aos corações amigos e caridosos, aqui me encontro
abraçando um novo trabalho com vistas ao futuro, que a Terra-mãe me concederá,
pela nímia misericórdia do Céu.
"Tendo
orado em favor daqueles que sofreram a minha perversão e loucura, propondo-me espiritualmente
socorrê-los, quando as circunstâncias o permitirem. Somente o perdão com a
reconciliação real, edificando os sentimentos das vítimas com os algozes,
conseguirá produzir a paz e a lídima fraternidade."
Almério
agora, quando encerrava a narração, apresentava-se corado, e sorria,
exteriorizando real alegria. Deixava-me a impressão que houvera retirado um peso
da consciência e, talvez, por primeira vez, encarara-se sem constrangimento nem
desculpas em relação aos atos conturbadores praticados.
Agradeci-lhe
a confiança e a gentileza de oferecer-me a sua história, que me proporcionaria
muito material para reflexões, e pedi-lhe, ato contínuo, que durante o meu
estágio naquele Nosocômio, quanto lhe permitissem os deveres, que eu gostaria
de contar com a sua companhia fraterna para conversações, troca de opiniões e
mesmo sua ajuda, de que ali habitava, há muito tempo, o que me seria muito
valioso.
Ele não se
fez de rogado, e, num gesto muito amigo, abraçou-me, exteriorizando gratidão e
votos de muito êxito.
Encontrávamo-nos
abordando outros temas, quando fui chamado nominalmente, para o encontro com o
Dr. Ignácio, que se encontrava aguardando-me. Despedi-me do jovem companheiro e
segui ao gabinete onde teria a entrevista com o nobre psiquiatra.
Comentário do autor do blog:
As reflexões
trazidas nesta história são muitas, mas, a nosso ver, a tônica que prevalece
nos acertos e desacertos da figura de Almério – e que poderia ser com qualquer
um de nós – é justamente o embate entre a realidade interna dele frequentemente
a apontar para a revivescência de experiências libidinosas já sedimentadas em
sua estrutura interior contra os incessantes convites conscienciais e
espirituais para a mudança de postura em busca de um viver mais responsável
para consigo e para com os outros. Foram-lhe dados alertas espirituais e
oportunidades de trabalho como elementos estimuladores de sua reforma íntima,
que compete a cada qual realizar por si mesmo, contudo, logo abandonada quando
da intensificação da carga de experiências mais desafiadoras por que tinha que
passar.
Num caso como
este é impossível deixar de lembrar a passagem do Sermão da Montanha em que
Jesus nos ensina sobre a porta estreita: "Entrai pela porta estreita. Pois larga é a porta e espaçoso o caminho
que conduz à perdição – e são muitos os que entram por ela. Quão apertada é a
porta e quão estreito o caminho que conduz à vida! – e poucos são os que
acertam com ele." (Evangelho Segundo Mateus, cap. 7, vers. 13/14)
Largo é o
caminho que leva à perdição porque ainda largo é o nosso primitivismo animal,
ou seja, grande é o poder que ainda damos ao homem velho em prejuízo do homem novo, espiritualmente renovado. Matéria versus espiritual ou, no dizer de Jesus, Mamon versus Deus.
Tristemente em grande parte das vezes vence o primeiro.
Para quem vê,
como no caso de Almério, as inumeráveis oportunidades dadas pela vida para a
construção de um destino mais glorioso e percebe que todas foram jogadas fora
em obediência a um instinto ainda primitivo e dominador, lamenta-se à semelhança
do jogador que no último momento do jogo displicentemente perde a chance de
reverter o resultado a seu favor. A força do que ainda somos suplanta, por
falta de determinação e fé, a força do que queremos ser. Neste caso, só nos
resta ouvir o lamento do Cristo: "Ó
geração sem fé e perversa! Até quando estarei convosco e sofrerei com vossa
incredulidade?" (Evangelho Segundo Lucas, cap. 9, vers. 41), para
depois confiarmos na misericórdia divina que sempre nos socorre e dá novas
oportunidades de recomeço no momento que se mostrar mais adequado.
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Até qdo sofrerei com nossa incredulidade. Até qdo viveremos a mercê de nós mesmos???
ResponderExcluirTania, obrigado pelo seu comentário. Não sei se ele é uma pergunta/afirmação ou uma pergunta somente.Então acreditando tratar-se deste último caso e sem querer dar uma de entendido, apresento a resposta que segue: viveremos à mercê de nós mesmos PELA ETERNIDADE, pois que somos imortais e os únicos artífices de nossos destinos, dentro é claro da obediência consciente ou não das Leis do Criador, as quais antecedem a qualquer um de nós. Quem vive em uma caverna chamada ignorância, juntamente com uma multidão de pessoas vítimas da mesma ignorância, tem dificuldade de entender a vida de luz fora da caverna. Eu, tu, nós vivemos nesta caverna, mas por pouco tempo. Dia virá em que seremos libertos da escuridão pelo retorno natural ao nosso lar espiritual. Mas por ora só a lanterna da fé e esperança, mesmo com luz ainda fraca, pode alumiar a busca de nossa felicidade no breve, mas necessário, lar de nossa caverna ou, sendo mais preciso, de nossa vida encarnada. Aliás, acho que Platão há muito tempo já falava de um tal mito da caverna e eu o estou, de certa forma, copiando ou parafraseando. Desculpe se me estendi, mas só procuro ajudar e não sou a verdade. A verdade acho que bem sabemos quem de fato é: Jesus. Abraço.
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