O Céu e o Inferno
ou
A Justiça Divina Segundo o
Espiritismo
Autor: Allan Kardec.
Lançado em 1865.
Breve relato da obra:
Trata-se, como o próprio título diz, da visão espírita das recompensas e penas
futuras, comumente conhecidas como céu e inferno na tradição católica. Contém
impressionantes relatos de espíritos das mais diversas categorias.
Segunda Parte – cap. V
SUICIDAS
O PAI
E O CONSCRITO
No começo da guerra da Itália, em 1859, um
negociante de Paris, pai de família, gozando de estima geral por parte dos seus
vizinhos, tinha um filho que fora sorteado para o serviço militar.
Impossibilitado de o eximir desse serviço, ocorreu-lhe a ideia de suicidar-se a
fim de o isentar dele, como filho único de mulher viúva. Um ano mais tarde foi
evocado na Sociedade de Paris a pedido de pessoa que o conhecera, desejosa de
certificar-se do seu destino no mundo espiritual.
(A S. Luís). – Podereis dizer-nos se é
possível evocar o Espírito a que vimos de nos referir?
R. Sim, e ele ganhará com isso, porque ficará mais aliviado.
1. Evocação. – R.
Oh! Obrigado! Sofro muito, mas... é
justo. Contudo, ele me perdoará.
O Espírito escreve com grande dificuldade;
os caracteres são irregulares e mal formados; depois da palavra mas, ele para,
e, procurando em vão escrever, apenas consegue fazer alguns traços
indecifráveis e pontos. É evidente que foi a palavra Deus que ele não conseguiu escrever.
2.
Tende
a bondade de preencher a lacuna com a palavra que deixaste de escrever.
R. Sou indigno de escrevê-la.
3.
Dissestes que sofreis; compreendeis que fizestes muito mal em vos suicidar; mas
o motivo que vos acarretou esse ato não provocou qualquer indulgência?
R. A punição será menos longa, mas nem por isso a ação deixa de ser má.
4.
Podereis descrever-nos essa punição?
R. Sofro duplamente, na alma e no corpo; e sofro neste último, conquanto o
não possua, como sofre o operado de um membro amputado.
5. A
realização do vosso suicídio teve por causa unicamente a isenção do vosso filho
ou concorreram para ele outras razões?
R. Fui completamente inspirado pelo amor paterno, porém, mal inspirado. Em
atenção a isso, a minha pena será abreviada.
6. Podeis
precisar a duração dos vossos padecimentos?
R. Não lhes entrevejo o fim, mas tenho certeza de que ele existe, o que é
um alívio para mim.
7. Há
pouco não vos foi possível escrever a palavra Deus, e no entanto temos visto
Espíritos muito sofredores fazê-lo; será isso uma consequência da vossa punição?
R. Poderei fazê-lo com grandes esforços de arrependimento.
8.
Pois então fazei esses esforços para escrevê-lo, porque estamos certos de que
sereis aliviado. (O Espírito acabou por traçar esta frase com caracteres
grossos, irregulares e trêmulos: - Deus
é muito bom).
9. Estamos
satisfeitos pela boa vontade com que correspondes à nossa evocação e vamos
exorar a Deus para que estenda sobre vos a sua misericórdia.
R. Sim, obrigado.
10. (A.
S. Luís). Poderei ministrar-nos a vossa apreciação sobre esse suicídio?
R. Este Espírito sofre justamente, pois lhe faltou a confiança em Deus,
falta que é sempre punível. A punição seria maior e mais duradoura, se não
houvera como atenuante o motivo louvável de evitar que o filho se expusesse à
morte na guerra. Deus, que é justo e vê o fundo dos corações, não o pune senão
de acordo com suas obras.
Observações
de A. Kardec: À primeira vista, como ato de abnegação,
este suicídio poder-se-ia considerar desculpável. Efetivamente assim é, mas não
de modo absoluto. A esse homem faltou a confiança em Deus, como disse o Espírito
de S. Luís. A sua ação talvez impediu a realização dos destinos do filho; ao
demais, ele não tinha certeza de que aquele sucumbiria na guerra e a carreira
militar talvez lhe fornecesse ocasião de adiantar-se. A intenção era boa, e
isso lhe atenua a mal provocado e merece indulgência; mas o mal é sempre o mal
e se o não fora, poder-se-ia, escudado no raciocínio, desculpar-se todos os
crimes e até matar a pretexto de prestar serviços.
A mãe que mata o filho, certa de o enviar ao céu, seria menos culpada por tê-lo feito com boa intenção? Aí está um sistema que chegaria a justificar todos os crimes cometidos pelo cego fanatismo das guerras religiosas.
Em regra, o homem não tem o direito de dispor da vida, por isso que esta lhe foi dada visando deveres a cumprir na Terra, razão bastante para que não a abrevie voluntariamente, sob pretexto algum. Mas ao homem – uma vez que tem o seu livre arbítrio – ninguém impede a infração dessa lei. Sujeita-se porém às suas consequências.
O suicídio não consiste somente no ato voluntário que produz a morte instantânea, mas em tudo quanto se faça conscientemente para apressar a extinção das forças vitais. Não se pode chamar de suicida aquele que dedicadamente se expõe à morte para salvar o seu semelhante, primeiro, porque, no caso, não há intenção de se privar da vida, e, segundo, porque não há perigo do qual a Providência não nos possa subtrair, quando a hora não seja chegada. A morte nessas circunstâncias é sacrifício meritório, como ato de abnegação em proveito de outrem. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V, números 55, 65, 66 e 67).
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