Luzes d'O Livro dos Espíritos



O Livro dos Espíritos
Autor: Allan Kardec
Lançado em 1857

Breve relato da obra: Trata-se de coletânea de perguntas feitas aos espíritos sobre os mais diversos temas. Este livro lança as bases de toda uma nova doutrina, denominada de Espiritismo pelo próprio Allan Kardec.

Livro Quarto – cap. I
Penas e alegrias terrenas.
Desgosto pela vida – Suicídio

Q. 943 – De onde vem o desgosto pela vida, que arrebata alguns indivíduos sem motivos plausíveis?
Efeito da ociosidade, da falta de fé e, muitas vezes, da saciedade.
Para aquele que exerce suas faculdades com objetivo útil e segundo as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida escoa-se mais rapidamente; suporta as vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto mais age visando a felicidade mais sólida e mais durável que o espera.

Q. 944 – O homem tem o direito de dispor de sua própria vida?
Não, só Deus tem esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão dessa lei.”

Q. 944a – O suicídio não é sempre voluntário?
O louco que se mata não sabe o que faz.

Q. 945 – O que pensar do suicídio que tem por causa o desgosto pela vida?
Insensatos! Por que não trabalharam? A existência não lhes teria sido tão pesada!

Q. 946 – O que pensar do suicídio que tem por objetivo escapar às misérias e às decepções deste mundo?
Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que não têm forças, nem coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações; felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Infelizes, ao contrário, aqueles que aguardam uma saída nisso que, na sua descrença, chamam de sorte ou acaso! O acaso ou a sorte, para me servir da sua linguagem, podem com efeito, favorecê-los  por um momento, mas para lhes fazer sentir mais tarde, e de forma mais cruel, o vazio de suas palavras.

Q. 946a – Aqueles que conduziram uma pessoa infeliz para esse ato de desespero, sofrerão as consequências disso?
Oh! Infelizes deles! Porque responderão como por um assassínio.

Q. 947 – O homem que está às voltas com a necessidade e que se deixa morrer de desespero pode ser considerado como suicida?
É um suicida, mas aqueles que o causaram ou que poderiam impedi-lo são mais culpáveis que ele, a quem a indulgência aguarda. Não acreditem contudo, que seja inteiramente absolvido se lhe faltou firmeza e perseverança e se não fez uso de toda a sua inteligência para se livrar das dificuldades. Infeliz, sobretudo, se o seu desespero nasceu do orgulho; quero dizer, se é desses homens cujo orgulho paralisa os recursos da inteligência, que se envergonhariam por dever a sua existência ao trabalho de suas próprias mãos, preferindo morrer de fome a ter de descer daquilo a que chamam a sua posição social! Não há cem vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em enfrentar a crítica de um mundo fútil e egoísta, que tem boa vontade apenas para com aqueles a quem nada falta e que voltam as costas quando são requisitados? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é uma coisa estúpida, porque ele não levará isso em conta.

Q. 948 – O suicídio que tem por objetivo escapar à vergonha de uma má ação é também repreensível como aquele que é causado pelo desespero?
O suicídio não apaga a falta, ao contrário, aparecem duas em lugar de uma. Quando se teve coragem de fazer o mal, é necessário tê-la para sofrer as consequências. Deus ajuda e, dependendo da causa, pode por vezes diminuir os seus rigores.

Q. 949 – O suicida é perdoável quando tem por objetivo impedir que a vergonha envolva filhos ou família?
Aquele que age desta forma, não procede bem, mas acredita que sim e Deus levará em conta sua intenção, porque será uma expiação que a si mesmo se impôs. Ele atenua a sua falta pela intenção, mas nem por isso deixa de cometê-la. De resto, se os abusos de sua sociedade forem abolidos bem como seus preconceitos, não terão mais suicídios.
Nota de A. Kardec: Aquele que tira a própria vida para fugir à vergonha de uma má ação, prova que tem mais em conta a estima dos homens que a de Deus, pois vai entrar na vida espiritual carregado de suas iniquidades, tendo-se privado dos meios de repará-las durante a vida. Deus é muitas vezes menos inexorável que os homens, pois perdoa o arrependimento sincero e leva em conta o nosso esforço de reparação. O suicídio nada repara.

Q. 950 – O que pensar daquele que tira a própria vida na esperança de chegar mais cedo a uma vida melhor?
Outra loucura! Que faça o bem e estará mais seguro de alcançá-la, pois daquela maneira retarda a sua entrada num mundo melhor e ele mesmo pedirá para vir completar essa vida que interrompeu por uma ideia falsa. Uma falta, qualquer que ela seja, não abre jamais o santuário dos eleitos.

Q. 951 – Por vezes o sacrifício da vida não é meritório, quando tem por finalidade salvar a de outros ou de ser útil aos semelhantes?
Isso é sublime, segundo a intenção, e o sacrifício da vida não é então um suicídio. Contudo, Deus opõe-se a um sacrifício inútil e não pode vê-lo com prazer, se estiver manchado pelo orgulho. Um sacrifício é meritório apenas pelo desinteresse, e aquele que o pratica tem às vezes segundas intenções, que lhe subtraem o valor aos olhos de Deus.
Nota de A. Kardec: Todo sacrifício feito à custa da própria felicidade é uma ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei da caridade. Ora, a vida é o bem terreno ao qual o homem atribui maior valor; aquele que a ela renuncia para o bem de seus semelhantes não comete um atentado: é um sacrifício que realiza. Mas antes de cumpri-lo, deve refletir se a sua vida não poderá ser mais útil do que a sua morte.

Q. 952 – O homem que perece vítima do abuso das paixões que, como sabe, deve abreviar o seu fim, mas às quais não tem mais o poder de resistir, porque o hábito as transformou em verdadeiras necessidades físicas, é considerado um suicida?
É um suicídio moral. Não compreendem que, neste caso, o homem é duplamente culpado? Há nele falta de coragem e bestialidade, e, além disso, o esquecimento de Deus.

Q. 952a – É mais ou é menos culpado do que aquele que tira a própria vida por desespero?
É mais culpado, porque teve tempo de raciocinar sobre o seu ato. Naquele que o comete impensadamente há, por vezes, uma espécie de desvario que se aproxima da loucura; o outro será punido com mais rigor, porque as penas são sempre proporcionais à consciência que se tenha das faltas cometidas.

Q. 953 – Quando uma pessoa vê diante dela uma morte inevitável e terrível, é culpada por abreviar alguns instantes os seus sofrimentos por uma morte voluntária?
Sempre se é culpado por não esperar o termo fixado por Deus. Aliás, haverá certeza de que esse termo tenha chegado, malgrado as aparências, e que se possa receber socorro inesperado em seus últimos instantes?

Q. 953a – Concebe-se que, em circunstâncias comuns, o suicídio seja repreensível, mas suponhamos o caso em que a morte seja inevitável e em que a vida é abreviada apenas por alguns instantes?
É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade de Deus.

Q. 953b – Quais são, nesse caso, as consequências dessa ação?
Uma expiação proporcional à gravidade da falta, segundo as circunstâncias, como sempre

Q. 954 – Uma imprudência que compromete a vida sem necessidade é repreensível?
Não há culpabilidade quando não há intenção ou a consciência de fazer o mal

Q. 955 – As mulheres que, em certos países, queimam-se voluntariamente sobre o corpo de seus maridos, podem ser consideradas suicidas e virem a sofrer as consequências?
Elas obedecem a um preconceito e geralmente o fazem mais pela força que pela sua própria vontade. Acreditam cumprir um dever, o que não é característica do suicídio. São desculpáveis, devido à carência de formação moral e pela ignorância da maioria delas. Esses usos bárbaros e estúpidos desaparecem com a civilização.

Q. 956 – Aqueles que, não podendo suportar a perda de pessoas queridas, ceifam a própria vida na esperança de se juntarem a elas, atingem o seu objetivo?
O resultado para eles é totalmente diverso do que esperam, pois em lugar de unirem ao objeto de sua afeição, dele se afastam por mais tempo, porque Deus não recompensa um ato de covardia e o insulto que lhe é lançado ao duvidarem de sua providência. Pagarão esse instante de loucura com aflições maiores do que as que acreditaram abreviar, e não terão para as compensar a satisfação que esperavam.

Q. 957 – Quais são geralmente as consequências do suicídio sobre o Espírito?
As consequências do suicídio são muito diversas: não há penalidades fixadas e em todos os casos elas são sempre relativas às causas que o produziram. Mas uma consequência da qual o suicida não pode escapar é o desapontamento. Além disso, a sorte não é a mesma para todos: depende das circunstâncias. Alguns expiam sua falta imediatamente, outros numa nova existência que será pior do que aquela cujo curso interromperam.

Nota de A. Kardec: A observação mostra, com efeito, que as consequências do suicídio não são sempre as mesmas. Há porém, as que são comuns a todos os casos de morte violenta, as que decorrem de interrupção brusca da vida. Primeiramente, é a persistência mais prolongada e insistente do laço que liga o Espírito ao corpo; esse laço está, quase sempre, com toda a sua vitalidade no momento em que foi rompido, enquanto que na morte natural, se enfraquece gradualmente e muitas vezes se desata antes da extinção completa da vida. As consequências desse estado de coisas são o prolongamento da perturbação espírita, seguido da ilusão que, durante um tempo mais ou menos longo, faz o Espírito acreditar que está ainda no mundo dos vivos.
A afinidade que persiste entre o corpo e o Espírito produz, em alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo sobre o Espírito que se ressente, malgrado seu, dos efeitos da decomposição, provando uma sensação plena de angústias e de horror. Esse estado pode persistir tão longamente quanto o tempo que a vida teria que durar e que foi bruscamente interrompida. Esse efeito não é geral, mas em alguns casos o suicida não está livre das consequências de sua falta de coragem e cedo ou tarde expiará essa falta, de uma maneira ou de outra. É assim que certos Espíritos, que haviam sido muito infelizes na Terra, disseram haver se suicidado na existência precedente e estar voluntariamente submetidos a novas provas, tentando suportá-las com mais resignação. Em alguns é como um apego à matéria, da qual procuram em vão desvencilhar-se, para se encaminharem a mundos melhores, mas cujo acesso lhes é interditado. Na maior parte, é o remorso de haverem feito uma coisa inútil, da qual só provam decepções.
A religião, a moral, todas as filosofias condenam o suicídio como contrário à lei natural. Todos nos dizem, em princípio, que não se tem o direito de abreviar voluntariamente a vida; mas por que não se terá esse direito? Por que não se está livre de pôr um termo a esses sofrimentos? Estava reservado ao Espiritismo demonstrar, pelo exemplo daqueles que sucumbiram, que não é apenas uma falta como também uma infração a uma moral, consideração que pouco importa a certos indivíduos, mas um ato estúpido, visto que em nada beneficia àquele que o pratica, e até pelo contrário. Não é pela teoria que ele nos ensina, são os fatos que são postos sob os nossos olhos.


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