Sexualidade, Obsessão, Depressão e Suicídio.




O texto a seguir é extraído do livro Tormentos da Obsessão, psicografado pelo médium Divaldo Franco, capítulo: "Contato Precioso", no qual o espírito e autor da obra Manoel Philomeno de Miranda encontra a figura de Almério, que fora espírita e médium suicida em sua derradeira encarnação. Este, apesar de seu esforço no campo da religiosidade e da reforma íntima, era detentor de graves conflitos internos na área da sexualidade, bem como vítima de tão ferrenha quão dramática obsessão espiritual. O encontro se dá no Hospital Esperança, que é uma instituição fundada pelo célebre espírito de Eurípedes Barsanulfo, também conhecido como: "O Apóstolo da Caridade", e que se encontra sediada no plano espiritual. Com características de um sanatório, o referido hospital visa acolher, tratar e educar almas que, no dizer do autor espiritual, foram: "vítimas da própria incúria, tornando-se um laboratório vivo e pulsante para a análise profunda das alienações espirituais". Esse é o caso de Almério, mais um personagem do palco da vida a retratar quão grande é o poder de nossas escolhas, as quais podem nos presentear um dia com as asas libertadoras de um anjo ou, desde já, prender-nos nos grilhões da dor e do arrependimento. Aproveitemos as valiosas lições que esta leitura nos traz:


CONTATO PRECIOSO


No dia seguinte, ainda vibrando de emoção pelas lições recebidas na véspera, dirigi-me ao Sanatório Esperança, estuante de alegria, por considerar excepcional a oportunidade de aprendizagem naquele reduto de bênçãos que o amor havia erguido para auxiliar os combalidos e fracassados nas lutas espirituais da Terra.
Conhecia, através de referências, desde há muito, aquele Nosocômio, de que ouvia falar em conversações habituais com diversos amigos. Todavia, por reconhecer a precariedade dos meus conhecimentos em torno das doutrinas psíquicas e das conquistas realizadas por especialistas dessa área, nunca me atrevera a solicitar oportunidade para conhecer mais de perto as enobrecedoras realizações que ali tinham lugar.
Embora soubesse superficialmente da finalidade a que se destinava, ignorava os métodos e as terapêuticas utilizadas no tratamento dos pacientes espirituais. Eram, portanto, compreensíveis, a euforia e expectativa que me assaltavam.
O dia estava esplêndido, banhado de suave luz e agradável temperatura, quando, vencendo alguma distância e atravessando os jardins bem cuidados, enriquecidos de flores e arbustos formosos, dei entrada no agradável hall, dirigindo-me à recepção.
Solicitando o encontro com Dr. Ignácio, fui informado que ele me esperava no seu gabinete, que me foi gentilmente indicado. Um voluntário, que ali se encontrava, ofereceu-se para conduzir-me à sala, elucidando-me que estava em estágio, na fase do atendimento, a fim de preparar-se para iniciar estudos especiais sobre a problemática do comportamento humano, quando se encontrasse habilitado.
Muito simpático, logo informou-me que houvera desencarnado, fazia vinte anos, havendo sido atendido naquele Nosocômio, onde despertara em lamentável estado de perturbação espiritual, de que se foi libertando, graças ao amparo e empenho dos médicos e enfermeiros que o atenderam, até que pôde ensaiar os primeiros passos pelo ambiente, dando-se conta da realidade da vida e procurando adaptar-se ao novo habitat, embora as saudades dilaceradoras que conservava em relação à família e aos seres amigos, bem como às tarefas interrompidas que ficaram no domicílio carnal.
Escutava-o, atento, como se estivesse recordando-me dos primeiros tempos, quando chegara àquela Comunidade, recambiado pela morte à Pátria de origem.
Gentil e jovial, elucidou-me que houvera sido vítima de si mesmo, porquanto, portador de mediunidade psicofônica, tivera ensejo de travar contato com a Doutrina codificada por Allan Kardec, porém, por negligência e perturbação, nunca se interessara em aprofundar estudos e educar o comportamento que, embora não fosse vulgar, igualmente não se fazia portador de títulos de enobrecimento.
Consorciando-se com uma jovem que acreditava ser-lhe alma gêmea, sentiu-se amparado emocionalmente, de maneira a manter o equilíbrio sexual, que lhe constituía motivo de desarmonia antes do matrimônio, dificultando-lhe preservar-se fiel ao compromisso mediúnico, que abraçava desde os dezessete anos, quando recém-saído de um tormento obsessivo simples...
Nesse ínterim, chegamos à ante-sala do diretor daquela área, específica para os obsidiados desencarnados, fazendo-nos anunciar, e aguardando o convite para sermos recebidos. Como o infatigável dirigente se encontrasse em reunião, acomodamo-nos, e o novo amigo prosseguiu:
- Após haver passado por diferentes terapias de adaptação, estou agora sendo utilizado na recepção para acompanhamento de visitantes, preparando-me para futuros cometimentos.
Sinceramente sensibilizado pela sua gentileza, apresentei-me com breves considerações, e continuamos a agradável conversação.
- Chamo-me Almério - informou-me com um sorriso afável - e fui uma vítima a mais da própria leviandade, no trato com os tesouros da vida espiritual, razão porque fui recolhido a este Hospital.
"Recordo-me que, desde criança, vez por outra, era acometido de clarividências, detectando seres infantis, que se me acercavam em festa, convivendo com os mesmos por alguns minutos. Outras vezes, defrontava monstros pavorosos que me ameaçavam, levando-me ao desespero e a desmaios, dos quais acordava banhado por álgido suor. O carinho vigilante de minha mãe sempre me socorria, defendendo-me desses fantasmas terrificantes. Por algum breve período tive a impressão de que amainara a ocorrência, para, a partir dos catorze anos, distúrbios nervosos tomarem-me com certa periodicidade, fazendo-me tremer e quase convulsionar. Fui levado ao médico que, após exames superficiais, atribuiu tratar-se de epilepsia, havendo-me receitado medicamentos que mais me atordoavam, e que, de alguma forma, diminuíam aquele desagradável tormento. Tomando conhecimento do que sucedia comigo, uma vizinha nossa sugeriu aos meus pais que me encaminhassem a um Centro Espírita, por acreditar que se tratava de um distúrbio no campo mediúnico, portanto, de uma obsessão que estivesse em processo de instalação. Embora meus genitores estivessem vinculados à religião católica, não titubearam, conduzindo-me ao Núcleo que fora indicado, por ser aquele da frequência da generosa amiga."
Almério fez uma pausa, como se estivesse recapitulando páginas importantes do livro da sua existência mais recente, após o que, tranquilamente continuou:
-  A primeira visita foi inesquecível, porque, atendido carinhosamente pela diretora da Casa, enquanto conversávamos fui acometido da crise, facilitando-lhe o diagnóstico espiritual. Conhecedora dos tormentos da obsessão, D. Clarice usou de palavras bondosas para com o perturbador, enquanto me aplicava a bio-energia através de passes vigorosos em clima de oração. De imediato, retornei ao estado de paz, de modo que a entrevista foi encerrada, após ser-me oferecida a terapia para o equilíbrio da saúde, que consistia em fazer parte de um grupo juvenil de estudos espíritas, a fim de que me pudesse iniciar no conhecimento da Doutrina, após o que, e somente então, me seria permitido participar das atividades mediúnicas.
"Na minha condição juvenil, felizmente, não tivera tempo para derrapar nas viciações que estão ao alcance da mocidade. Não obstante, cometera os equívocos pertinentes à condição de jovem, por fazerem parte do cardápio comportamental destes tumultuados dias da Humanidade.
"A mediunidade, em razão da frequência à Instituição Espírita, talvez, pelo clima psíquico ali existente, irrompeu com melhor definição, assegurando-me tratar-se de um compromisso sério, que deveria abraçar, mas, para o qual seria necessário abandonar a mesa farta dos prazeres, que se encontrava diante de mim, convidativa, e que eu não estava disposto a fazê-lo. Preparava-me para o vestibular, numa tentativa de conseguir uma vaga na Faculdade de Farmácia, quando fui acometido de uma crise mais forte, que me deixou prostrado, acamado, exigindo a presença da devotada diretora da Casa Espírita, que me socorreu com fluidoterapia e palavras de muito encorajamento, recomendando-me a leitura saudável de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, para robustecer-me moralmente, ajudando-me a superar a agressão espiritual.
"A Entidade, que insistia em me afligir, estava-me vinculada por fortes laços do passado próximo, quando fora molestada pela minha irresponsabilidade e não se encontrava interessada em liberar-me com facilidade da sua sujeição. Tornava-se indispensável que, mediante a minha reforma íntima demonstrasse-lhe a mudança que se operara dentro de mim, e do esforço empreendido para reparar os males que lhe houvera feito. Esse programa de iluminação interior iria exigir-me um grande tributo, porque anelava por viver como as demais pessoas, amealhar um bom pecúlio para, mais tarde, construir família e desfrutar dos favores da vida. O meu passado espiritual, porém, era muito severo, e fui constrangido a trabalhar-me para algumas adaptações à circunstância que então se apresentava...
"Eis, pois, como me iniciei no Espiritismo, através das bênçãos do sofrimento, que não soube aproveitar o quanto deveria."
O novo amigo silenciou discretamente. Passados alguns segundos de reflexão, parecendo aturdido, referiu-se:
- Rogo-lhe desculpas por haver-me disparado neste relato autobiográfico, sem dar-lhe oportunidade de uma conversação mais simpática, egoisticamente pensando no meu próprio caso. Como vê, estou aprendendo a disciplinar-me, sem conseguir silenciar os anseios do ego doentio, cumulando-o de comentários desinteressantes...
Interrompi-o, com delicadeza, explicando-lhe que sua narração me proporcionava imensa alegria, ademais da sua amizade, simples e desinteressada, que me havia recebido com amabilidade e confiança.
- Constitui-me – disse-lhe, sinceramente – um imenso prazer, iniciar os meus estudos neste Nosocômio, aprendendo, desde o primeiro momento em que aqui me apresento, lições de inapreciado valor. Sou-lhe, portanto, muito reconhecido, e agradeceria que, enquanto esperamos o nosso dirigente, que continue com a sua agradável e proveitosa narração.
Estimulado, e desculpando-se, Almério deu continuidade:
- Graças ao apoio de pessoas abnegadas na Casa Espírita, dos meus pais e do meu Guia espiritual, consegui adentrar-me na Faculdade e iniciar o curso que desejava. Concomitantemente, continuei participando das atividades da Juventude, porém, quase indiferente pelo estudo da Doutrina e a sua incorporação interior da conduta diária. O ambiente tumultuado da Faculdade, as minhas predisposições para comprometimentos na área sexual, facultaram-me compromissos perturbadores e vinculações com Entidades enfermas que enxameiam os antros de prostituição, nos motéis da moda, frequentados por semelhantes encarnados que ali dão vazão aos seus instintos primários e tendências pervertidas.
"Já participava das atividades mediúnicas, ao lado de pessoas enobrecidas e caridosas, sem que os seus exemplos repercutissem nos meus sentimentos exaltados pelo sexo em desvario e por falsa necessidade que lhe atribuía. Tornei-me, desse modo, portador de psicofonia atormentada, que o carinho dos dirigentes encarnados e espirituais tentaram a todo esforço equilibrar, mas as minhas inclinações infelizes dificultavam esse saudável empreendimento. Acredito que a generosa D. Clarice percebia o meu conflito, porém, honrada e discreta, esperava que o meu discernimento e as orientações espirituais que me chegavam em abundância me despertassem para a realidade, que não podia ser postergada.
"Foi nesse ínterim que, orando fervorosamente, supliquei auxílio aos Céus, prometendo-me alteração de conduta e vinculação mais segura com o compromisso aceito espontaneamente... E a minha oração foi ouvida, porquanto, nessa mesma semana, conheci Annette, que seria mais tarde a carinhosa esposa que me auxiliaria na educação das forças genésicas.
"O amigo deve saber quanto é importante a disciplina sexual na vivência mediúnica. Como as energias procriativas e vitais não devem ser desperdiçadas, mas canalizadas com propriedade e sabedoria. O seu uso indevido, além de produzir conexões viciosas com os Espíritos enfermos e vampirizadores, debilita os centros de captação psíquica, dificultando o correto exercício da faculdade. O casamento, portanto, constituiu-me verdadeira dádiva de Deus, que me impeliu a uma conduta melhor em intercâmbio enobrecido.
"As lutas prosseguiram com certa harmonia, até quando me diplomei e consorciei-me com a mulher amada. O nosso relacionamento foi muito equilibrado e, conhecedora dos meus compromissos, Annette não teve qualquer dificuldade em acompanhar-me aos estudos espíritas e participar das reuniões doutrinárias, a princípio, e depois, das sessões práticas e de socorro espiritual aos desencarnados."
Almério empalideceu subitamente, e percebi-lhe uma leve sudorese na testa.
Preocupado, interroguei-lhe se estava sentindo-se mal, ao que respondeu:
- Encontro-me bem, muito obrigado! É que me acerco dos momentos graves da narrativa, e sinto-me constrangido. Afinal, o amigo não me conhece, e eu o bombardeio com uma narrativa tão pessoal e íntima, que certamente o surpreende e o desagrada. Com certeza, é descortesia de minha parte o que lhe estou fazendo, quando deveria estar apresentando-lhe alguns dos admiráveis programas de nosso Hospital-santuário.
Toquei-lhe o ombro afavelmente, animando-o a continuar, não porque estivesse picado pela curiosidade doentia, mas porque senti que lhe fazia bem a catarse, tanto quanto me era útil para o aprendizado que iria iniciar.
Narrei-lhe algumas das próprias experiências, de quando me encontrara no corpo físico, assim como dos estudos que relatei em algumas Obras psicografadas que havia enviado aos queridos viajantes terrestres, a fim de o tranquilizar, asseverando-lhe mesmo, que houvera sido a Providência que o destacara para acompanhar-me, ajudando-me a entender os sublimes mecanismos da evolução, das lutas de aprimoramento moral e das conquistas espirituais de todos nós. Por fim, expliquei-lhe que a demora em ser atendido pelo nosso abnegado Dr. Ferreira parecia proposital, ensejando-nos aprofundamento da amizade recém-iniciada.
O novo amigo sorriu, um pouco desconcertado, e anuiu, dando curso à sua muito oportuna exposição.
- Não obstante todo o empenho a que me entregava – esclareceu, com sinceridade – para a renovação interior e o desempenho das tarefas em andamento, um ano após o casamento passei a experimentar inexplicável impotência sexual, gerando-me graves conflitos e dificuldades em torno do relacionamento conjugal. Sentindo-me fracassado e sem esperanças, procurei ajuda médica, após uma grande relutância, fruto da ignorância e da conceituação machista, e o especialista nada detectou na minha constituição orgânica, que justificasse o problema, encaminhando-me a um sexólogo que, inadvertidamente, me recomendou extravagante terapia, perturbando-me além do que já me encontrava transtornado. Nesse período, o exercício mediúnico tornou-se-me penoso e angustiante, por dificuldades de concentração e de equilíbrio emocional.
"Foi quando resolvi pedir socorro ao Mentor de nossa Sociedade que, solícito, através da mediunidade sonambúlica de Eduardo, por quem se comunicava desde há muito tempo, aconselhou-me a reconquistar o equilíbrio mediante a confiança em Deus, explicando-me tratar-se de uma disfunção psicológica, em cuja raiz estava a influência perversa da minha adversária espiritual...
"Equipado com o esclarecimento oportuno, procurei reanimar-me, elucidando a esposa em torno da terapia em desdobramento, e pedindo-lhe a compreensão, que nunca me foi negada, já que sempre se conduziu como digno exemplo de companheira ideal e madura, embora contasse apenas vinte e quanto anos de idade. A tentativa de renovação interior, porém, não havendo proporcionado resultados imediatos, diminuiu de intensidade, enquanto a volúpia do desejo incontrolado, me inquietava em angústia crescente.
"Nesse período, em que a mente se encontrava agitada, passei a vivenciar sonhos eróticos, nos quais a lascívia me dominava, particularmente com uma mulher que se me apresentava, ora linda e maravilhosa, noutros momentos, desfigurada e perversa. Muitas vezes arrastava-me a antros de perversão, onde me sentia exaurir, despertando, socorrido pela esposa que percebia minha agitação e lamentos, e sentindo-me tão depauperado quão perdido em mim mesmo. Não experimentava a necessária coragem para narrar-lhe o pandemônio em que me debatia, evitando que identificasse os meus tormentos mentais... O drama prolongou-se por mais de seis meses, quando algo inusitado ocorreu."
O amigo silenciou brevemente, concatenando as ideias, após o que prosseguiu:
- Participando das reuniões mediúnicas de socorro aos desencarnados, fui instrumento de terrível comunicação, que acredito era necessária para o esclarecimento da minha provação, certamente providenciada pelos Benfeitores espirituais. Tratava-se de Entidade feminina que se dizia minha vítima, de quem abusara, explorando-a sexualmente até arruiná-la. Pior do que isso, informava que eu era casado naquela ocasião, mas vivia clandestinamente com jovens seduzidas em orgias e alucinações. Não fora ela a primeira... No entanto, havia sofrido muito sob os impositivos das minhas perversões. Duas vezes, sucessivamente, concebera, e, sentindo-se feliz pelo fato, esperava receber apoio, que lhe neguei, sem qualquer compaixão, levando-a ao abortamento insensato. Na primeira ocasião do crime, ela pôde ceder sem maior relutância, por manter a ilusão de que eu possuísse algum sentimento de afetividade e prazer em conviver ao seu lado, mesmo que fugazmente. Todavia, na segunda concepção, recusando-se ceder à minha insistência, foi levada, quase à força, quando já se encontrava no quinto mês de gravidez, para o hediondo infanticídio, que se transformou numa tragédia de alto porte. A inabilidade do médico, na clínica sórdida onde recebia as clientes infelizes, ao extrair o feto, provocou uma hemorragia, não conseguindo deter o fluxo sanguíneo, e, embora transferida de emergência para o Pronto Socorro da cidade, menos de duas horas depois seguia pela morte o destino da filhinha covardemente assassinada... No entanto, perdeu-se num dédalo de aflições sem nome. Só mais tarde, quando eu me encontrava na passada reencarnação, no período infantil, é que conseguiu, com a ajuda de alguns especialistas em obsessão, reencontrar-me, o que lhe houvera proporcionado infinito prazer. Desde então, continuou explicando, me seguia, e pretendia levar a cabo o plano de interromper-me a existência carnal, auxiliada como se encontrava por outros Espíritos a quem eu prejudicara, e que estavam igualmente dispostos a conseguir o mesmo fanal.
"A lúcida doutrinadora tudo fez para explicar-lhe o erro em que se movimentava, não havendo conseguido resultados expressivos. Envolvendo-a, por fim, após diversas tentativas de esclarecimentos, em ternura e vibrações de paz, a atormentada inimiga retirou-se do campo mediúnico em que se comunicava. Mas não se desvinculou de mim, porquanto, onde se encontra o devedor, aí estagia o cobrador... Terminada a reunião, fui elucidado quanto aos meus deveres imediatos em favor da libertação, beneficiando o Espírito infeliz, quanto a mim próprio. No entanto, os vícios do pretérito tornaram-se-me grilhões indestrutíveis, que eu não conseguia romper. Mantendo a mente aturdida pelos desejos que o corpo não atendia, lentamente derrapei em perigosa depressão, que se tornou grave, graças às reações que me acometiam, maltratando a família, os amigos, e deixando-me sucumbir cada dia mais, ao ponto de recusar-me prosseguir nas atividades espirituais e profissionais, mergulhando no fosso profundo e escuro da subjugação, que poderia ter sido evitada, caso me houvesse resolvido pela luta."
Novamente interrompeu a história. Respirou, quase penosamente, e vendo-o sofrido, propus-lhe que deixasse para próximo encontro a conclusão do seu drama, ao que ele redarguiu:
- Apesar da angústia que me produz a lembrança, desta vez, face a espontaneidade com que brotam da alma as evocações, experimento um certo bem-estar, como se me conscientizasse em definitivo dos graves erros, sem escamoteamento das próprias responsabilidades, nem fugas injustificáveis do enfrentamento, que são passos decisivos para o recomeço em clima de renovação legítima.
Sorriu, ligeiramente, e ante a minha anuência com um movimento simples da cabeça, concluiu:
- Naquele transe, sob a indução cruel, que me houvera conduzido ao transtorno psicótico-maníaco-depressivo, em uma noite de alucinação, porquanto podia ver a mulher-verdugo de minha existência e os seus asseclas, foi induzido a ingerir algumas drágeas de sonífero, quase automaticamente, sem qualquer reflexão, a fim de apagar da mente aqueles terríveis pesadelos e libertar-me dos vergonhosos doestos que me atiravam à face, humilhando-me, escarnecendo-me, e sempre mais me ameaçando. À medida que as substâncias passaram a atuar no meu organismo, um cruel torpor e enregelamento tomou-me todo, produzindo-me a parada cardíaca, e a desencarnação...
"Muito difícil explicar os sofrimentos que então passei a experimentar. No princípio, era o pesadelo de morrer-e-não-estar-morto, a vida sem vida, as sensações da matéria em decomposição e a crua perseguição que não cessava. Não saberia dizer por quanto tempo estive sob as torpes e excruciantes vinganças daqueles irmãos mais desditosos. As preces da esposa sofrida, dos meus genitores e dos amigos da Instituição religiosa, passaram, então, a alcançar-me como orvalho refrescante no tórrido padecimento que não diminuía. Um dia, que ainda não posso identificar, senti-me sair do antro para onde fora levado pelas mãos perversas que me induziram ao suicídio, embora sem a minha concordância, o que representava um atenuante para a desdita, passando a dormir sem a presença dos sicários, e a despertar, para logo adormecer, até que a memória e o discernimento ressurgiram, auxiliando-me no processo de recuperação. Graças a Deus e aos Bons Espíritos, aos corações amigos e caridosos, aqui me encontro abraçando um novo trabalho com vistas ao futuro, que a Terra-mãe me concederá, pela nímia misericórdia do Céu.
"Tendo orado em favor daqueles que sofreram a minha perversão e loucura, propondo-me espiritualmente socorrê-los, quando as circunstâncias o permitirem. Somente o perdão com a reconciliação real, edificando os sentimentos das vítimas com os algozes, conseguirá produzir a paz e a lídima fraternidade."
Almério agora, quando encerrava a narração, apresentava-se corado, e sorria, exteriorizando real alegria. Deixava-me a impressão que houvera retirado um peso da consciência e, talvez, por primeira vez, encarara-se sem constrangimento nem desculpas em relação aos atos conturbadores praticados.
Agradeci-lhe a confiança e a gentileza de oferecer-me a sua história, que me proporcionaria muito material para reflexões, e pedi-lhe, ato contínuo, que durante o meu estágio naquele Nosocômio, quanto lhe permitissem os deveres, que eu gostaria de contar com a sua companhia fraterna para conversações, troca de opiniões e mesmo sua ajuda, de que ali habitava, há muito tempo, o que me seria muito valioso.
Ele não se fez de rogado, e, num gesto muito amigo, abraçou-me, exteriorizando gratidão e votos de muito êxito.
Encontrávamo-nos abordando outros temas, quando fui chamado nominalmente, para o encontro com o Dr. Ignácio, que se encontrava aguardando-me. Despedi-me do jovem companheiro e segui ao gabinete onde teria a entrevista com o nobre psiquiatra.


Comentário do autor do blog:

As reflexões trazidas nesta história são muitas, mas, a nosso ver, a tônica que prevalece nos acertos e desacertos da figura de Almério – e que poderia ser com qualquer um de nós – é justamente o embate entre a realidade interna dele frequentemente a apontar para a revivescência de experiências libidinosas já sedimentadas em sua estrutura interior contra os incessantes convites conscienciais e espirituais para a mudança de postura em busca de um viver mais responsável para consigo e para com os outros. Foram-lhe dados alertas espirituais e oportunidades de trabalho como elementos estimuladores de sua reforma íntima, que compete a cada qual realizar por si mesmo, contudo, logo abandonada quando da intensificação da carga de experiências mais desafiadoras por que tinha que passar.
Num caso como este é impossível deixar de lembrar a passagem do Sermão da Montanha em que Jesus nos ensina sobre a porta estreita: "Entrai pela porta estreita. Pois larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição – e são muitos os que entram por ela. Quão apertada é a porta e quão estreito o caminho que conduz à vida! – e poucos são os que acertam com ele." (Evangelho Segundo Mateus, cap. 7, vers. 13/14)
Largo é o caminho que leva à perdição porque ainda largo é o nosso primitivismo animal, ou seja, grande é o poder que ainda damos ao homem velho em prejuízo do homem novo, espiritualmente renovado. Matéria versus espiritual ou, no dizer de Jesus, Mamon versus Deus. Tristemente em grande parte das vezes vence o primeiro.
Para quem vê, como no caso de Almério, as inumeráveis oportunidades dadas pela vida para a construção de um destino mais glorioso e percebe que todas foram jogadas fora em obediência a um instinto ainda primitivo e dominador, lamenta-se à semelhança do jogador que no último momento do jogo displicentemente perde a chance de reverter o resultado a seu favor. A força do que ainda somos suplanta, por falta de determinação e fé, a força do que queremos ser. Neste caso, só nos resta ouvir o lamento do Cristo: "Ó geração sem fé e perversa! Até quando estarei convosco e sofrerei com vossa incredulidade?" (Evangelho Segundo Lucas, cap. 9, vers. 41), para depois confiarmos na misericórdia divina que sempre nos socorre e dá novas oportunidades de recomeço no momento que se mostrar mais adequado.


⇩⇩Se gostou, deixe o seu comentário abaixo⇩⇩



2 comentários:

  1. Até qdo sofrerei com nossa incredulidade. Até qdo viveremos a mercê de nós mesmos???

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tania, obrigado pelo seu comentário. Não sei se ele é uma pergunta/afirmação ou uma pergunta somente.Então acreditando tratar-se deste último caso e sem querer dar uma de entendido, apresento a resposta que segue: viveremos à mercê de nós mesmos PELA ETERNIDADE, pois que somos imortais e os únicos artífices de nossos destinos, dentro é claro da obediência consciente ou não das Leis do Criador, as quais antecedem a qualquer um de nós. Quem vive em uma caverna chamada ignorância, juntamente com uma multidão de pessoas vítimas da mesma ignorância, tem dificuldade de entender a vida de luz fora da caverna. Eu, tu, nós vivemos nesta caverna, mas por pouco tempo. Dia virá em que seremos libertos da escuridão pelo retorno natural ao nosso lar espiritual. Mas por ora só a lanterna da fé e esperança, mesmo com luz ainda fraca, pode alumiar a busca de nossa felicidade no breve, mas necessário, lar de nossa caverna ou, sendo mais preciso, de nossa vida encarnada. Aliás, acho que Platão há muito tempo já falava de um tal mito da caverna e eu o estou, de certa forma, copiando ou parafraseando. Desculpe se me estendi, mas só procuro ajudar e não sou a verdade. A verdade acho que bem sabemos quem de fato é: Jesus. Abraço.

      Excluir