Pedagogia da Felicidade
“O homem pode suavizar ou aumentar o amargor
de suas provas, conforme o modo por que encare a vida terrena.”
O Evangelho
Segundo o Espiritismo – Cap. V – item 13
Nunca a
humanidade mendigou tanta atenção e afeto. Uma crise de autodesvalor, sem precedentes, assola multidões. O
sentimento de indignidade é o piso emocional das feridas seculares que causam a
sensação de inferioridade, abandono e falência. Não se sentindo amadas, almas
sem conta não conseguem superar os dramas da rejeição e os tormentos da solidão.
Optam pela falência não assumida. Uma existência sem sentido, vazia de
significados, sem metas; a caminho da derrocada moral e espiritual.
Somente o
tratamento lento e perseverante de tecer o manto protetor da segurança íntima,
utilizando o fio do autoamor, poderá renovar essa condição interior do ser
humano.
Agrilhoado
pela ilusão do menor esforço, o homem busca a ilusão como sinônimo de paz.
Anseia-se pela felicidade como se tal estado da alma pudesse ser fruto da
aquisição de facilidades e privilégios.
Contudo, a
felicidade é uma conquista que se faz através da educação de si mesmo. Buscá-la
no exterior é dar prosseguimento a uma procura recheada de decepções e dor.
Educar para
ser feliz é dar sentido à existência. O homem contemporâneo padece a doença do sentido. O vazio existencial é
o corrosivo de seu mundo íntimo.
Reflitamos!
Como a doutrina pode nos ajudar a construir sentido para a existência? Que
passos dar para estabelecer significado educativo ao nosso sofrimento?
O Doutor
Viktor E. Frankl foi um homem extraordinário. Viveu a dor dos campos de
concentração nazistas e sobreviveu, graças à sua habilidade em gestar um
sentido para sua dor em plena provação. Criador da logoterapia, Viktor Frankl
auxiliou multidões a ter uma vida mais digna e promissora. Em sua obra prima
ele afirmou:
“Quando um homem descobre que seu destino lhe
reservou um sofrimento, tem que ver neste sofrimento também uma tarefa sua,
única e original. Mesmo diante do sofrimento, a pessoa precisa conquistar a
consciência de que ela é única e exclusiva em todo o cosmo dentro desse destino
sofrido. Ninguém pode assumir dela o destino, e ninguém pode substituir a
pessoa no sofrimento. Mas na maneira como ela própria suporta este
sofrimento está também a possibilidade de uma realização única e singular.” (1)
A primeira condição para se estabelecer um
sentido à vida é o exercício da singularidade. Descobrir seus próprios
caminhos, lutar por seus sonhos, celebrar sua diversidade aceitando suas
particularidades, participar da vida como se é, sentir o gosto de se desligar
de uma vida centrada no ideal e realizar-se no real.
A vida em si mesma não tem um sentido, algo que
se possa definir através de padrões ou princípios filosóficos. Esse sentido é
construído pelas percepções individuais sob as lentes da singularidade humana
que, a partir de diretrizes gerais, capacita-se a seguir sua “rota intuitiva”
na direção da perfeição.
“O homem pode suavizar ou aumentar o amargor
de suas provas, conforme o modo por que encare a vida terrena”. O modo de
encarar ou perceber a vida terrena é a leitura pessoal de ser no mundo.
A felicidade
resulta da habilidade de consolidar esse sentido a partir do “olhar de
impermanência”. O enfoque da transitoriedade e do desprendimento.
Quase sempre
sentimo-nos mais seguros adotando o parecer da maioria, um sentimento natural
até certa etapa da jornada de crescimento. Chegará, porém, o instante em que a
vida convidar-nos-á ao processo inevitável das descobertas singulares. Isso não
significa estar alheio à convivência, ao processo de interação grupal. É apenas
ter mais consciência do que convém ou não ao desenvolvimento individual na
interação social.
Nas nossas
frentes de serviços doutrinários somos convocados a urgente autoavaliação nesse
tema para erguimento da felicidade pessoal. Com um movimento acentuadamente
dirigido para a “coletivização”, a uniformidade e práticas escasseiam o
estímulo ou a aceitação para a diversidade. Nesse contexto, frequentemente,
ideias criativas e condutas diferentes são acolhidas com desdém, esfriam
relações e ensejam a indiferença. São tachadas de personalismo e vaidade. Mais
uma razão para tecer o autoamor e investigar a forma pessoal de caminhar.
Personalismo
ou singularidade? Individualismo ou individuação?
Em quais experiências nos enquadramos?
Sem medo do
individualismo, que é muito diferente da individuação,
é imperioso aprendermos a investigar o coração em busca do “mapa singular” do
Pai à nossa jornada de aprimoramento. Quem se ama vive a maravilhosa
experiência de sentir brotar em sua alma, espontaneamente, uma cumplicidade
poderosa com a vida, o próximo e a Obra Divina. Quanto mais amor a quem somos,
mais amamos a vida. O sentido da
existência está no ato de percebermos o que significamos na Obra Paternal.
O segundo
ponto essencial na construção do sentido é desenvolver a habilidade de superar
o sofrimento. O prazer de viver surge quando, efetivamente entendemos as razões
de nossas dores e como superá-las. Sofrer e não saber o que fazer para sair
dessa “roda de dores”: nisso consiste o carma, a “roda da vida”. Possuir
valores e não saber como utilizá-los para o bem: nisso reside o carma sutil da
nobreza das intenções em conflito com a conduta que adotamos.
Quando
desenvolvemos a arte de abrir o cadeado de nossas mazelas, soltamo-nos para
novas vivências. Desprendemos das velhas amarras mentais, dos complexos
afetivos, dos condicionamentos. Quando aprendemos a
lidar com nossos valores, a vida se plenifica.
A dor existe
para incitar a inteligência na descoberta de soluções em nós mesmos. A grande
lição nesse passo é descobrir as causas das aflições. O sentido da existência
não está fora, mas dentro de nós. Podemos compartilhá-lo com o outro,
entretanto, ele não depende do outro.
Como temos
dificuldade em assumir a nossa fragilidade! Quanta dificuldade demonstramos
para admitir nossa falibilidade! Sentimo-nos pequenos, incompetentes ao nos
deparar com as batalhas não vencidas ou com as imperfeições não superadas,
agravando ainda mais as provações. “O
homem pode suavizar ou aumentar o amargor de suas provas, (...)”
Fénelon assinala:
“Que de tormentos, ao contrário, se poupa
aquele que sabe contentar-se com o que tem, que nota sem inveja o que não
possui, que não procura parecer mais do que é.” (2)
Ser feliz é
contentar-se com o que se é sem que isso signifique estacionar. É o amor a si.
A frase de Fénelon é uma autêntica proposta de paz interior. Contente, sem
inveja e feliz com o que se é. Quem pode querer mais?
Portanto,
nisto resume-se a consolidação do sentido da vida:
1) Saber quem
somos, o que a vida espera de nós, a missão particular, única e
intransferível. É o exercício da singularidade.
2) Zelar pela
manutenção desse processo de individuação através da superação das mensagens inconscientes
de desvalor e incapacidade, diante de nossos sofrimentos, integrando-as ao self translúcido, que se encontra ao
nosso inteiro dispor.
Uma pedagogia
de felicidade deve assentar-se no autoamor em busca do self reluzente. Desenvolver as habilidades da “inteligência espiritual”,
tais como autoconsciência, resiliência, visão holística, alteridade,
autoconfiança, curiosidade, criatividade, disciplina no adiamento das
gratificações, sensibilidade, compaixão, naturalidade.
Eis alguns
caminhos da pedagogia para a sanidade humana que poderão ser experimentados
pelas nossas agremiações de amor em seus programas de consolo e esclarecimento:
- Exercer
dinâmicas de autoconhecimento.
- Compreender
os mecanismos punitivos da culpa e como superá-los.
- Desenvolver
técnicas de sensibilidades do afeto.
- Fazer uso
dos recursos psicoterapêuticos bem orientados pelos mentores espirituais.
- Meditar.
- Orar.
- Implantação
de pequenos círculos de diálogo sobre valores humanos.
- Participar
de atividades de cooperação social, criando espaço para estudar os sentimentos
decorrentes dessa prática.
- Cultivar a
crença de que todos somos dignos da Bondade Celeste em quaisquer circunstâncias.
- Desenvolver
a autonomia.
Quem ama a si
mesmo sente-se rico. É excelente companhia para si mesmo. Descobriu seu valor
pessoal na Obra da Criação e tem consciência plena da Bondade do Pai em favor
de sua caminhada individual. Todas essas sensações, é bom destacar, operam-se
no reinado do coração, são sentimentos e não formas de pensar. Nisso reside o
sentimento de merecimento ou, como costumamos nomear, a maior conquista
espiritual para ser feliz. Não foi fruto de instrução, mas serviço de renovação
efetiva nas matrizes da vida mental profunda, nas “células afetivas”.
Quem se ama dispensa a imponência das máscaras. É feliz por ser o que é. Aprendeu que "Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra."(3)
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(1) Em busca de Sentido - página 76 - Perguntar pelo Sentindo da Vida - Editora Vozes
(2) O Evangelho Segundo o Espiritismo - capítulo V - item 23
(3) O Livro dos Espíritos - questão 920
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